Podia-se dizer que era um louco. Falava sozinho na rua quando andava à noite. Nem sempre eram conversas consigo mesmo, na realidade a maioria das vezes conversava consigo só para amedrontar as pessoas na rua e assim afugentar possíveis ladrões da grande metrópole. Não era um ser engraçado, mas seu sarcasmo fazia rir, era por vezes até meio inconveniente, mas o leitor aqui deve conhecer aqueles que nos fazem rir por serem tão secos, secos como frutas secas.
Era um rapaz de gênio forte, mas tão educado que muitas vezes guardava para si as opiniões que divergiam da sua, sem tentar convencer ninguém do seu ponto de vista. Nossa pequena história começa num daqueles dias onde ele saía sozinho. Amigos ele tinha. Não tinha era companhia para seus gostos. Amava a arte, sobretudo o teatro. Nunca tentou decorar uma fala, nem as mais famosas de Shakespeare, mas quando numa platéia não perdia um segundo da atuação daqueles seres que ali, em cima do palco, recitavam as frases que ele por si mesmo não foi capaz de decorar.
Lia textos e textos e aos 15 (o que já considerava tarde) começou a estudar história da arte e do teatro e mergulhou em teatro realista, naturalista, clássico, épico e por aí vai. Era um bom entendedor, por mais que nunca admitisse saber tanto. Quando o assunto batia em história do teatro, os outros calavam para escutá-lo, e aquele ar de sarcasmo sumia e só re-aparecia no assunto posterior que quase sempre, como em todas as conversas, era sobre sexo, sacanagem e bebedeiras em grupo numa rua de botecos ou na casa de alguém do grupo.
Dê o nome que quiser para o sujeito. Ele era muito mais um estilo personagem que se lembra pela aparência e pelo jeito do que pelo próprio nome. O que interessa é que nesse dia, uma sexta-feira do mês de março, logo no inicio do outono, ele saiu para mais uma peça de teatro. Era um musical que estava em cartaz já havia um mês num dos maiores teatros da cidade.
Apesar de o espetáculo começar Às 21h, o rapaz já estava preparado às 17h. Além de ir de transporte público, ele era dotado de uma pontualidade suíça, eu diria até melhor do que a mesma, pois sempre estava mais cedo do que o combinado em um local.
Vestia uma camisa branca, aquelas que não valem mais do que um lanche de esquina na hora da fome. A camisa, porém não o mostrava humilde, afinal camisas brancas quando novas não tem marca por mais caras que realmente sejam. Uma calça jeans e uma bota preta completavam a sua caracterização. Gostava de usar creme para pentear o cabelo que era curto, mas possível de se pentear. O rosto e o corpo não me são necessário caracterizar, contento-me com a imaginação de quem lê.
Trancou a porta e deu tchau para o seu vira-lata. Pegou um ônibus e depois outro. No trem sentou-se na janela, olhando os prédios lá fora. “Se ao menos pudesse morar em um” pensava. E era aí que começava a criar suas verdadeiras histórias. Um dia era um bibliotecário trabalhando em alguma fundação na zona oeste da cidade, no outro tinha virado ator de novela e teatro e já teria que comprar um carro para fugir dos autógrafos. Pensou em prestar arqueologia no nordeste do país e estar explorando a história antiga de sua nação. Uma vez passou em frente a um laboratório e já se imaginou lá dentro dando laudos periciais técnicos. Enfim, sua mente era mais divertida do que a realidade que vivia. Odiava o transporte público, sempre tão ineficaz, mas nunca tinha parado para pensar que toda sua força e criatividade vinham daqueles momentos (horas) ociosos dentro de trens e ônibus atravessando a cidade mostro em que morava.
Sentado ali, naquele mesmo banco diversas vezes, lembrava-se das provas que teria na semana na escola e os compromissos que havia assumido jovem demais para quem sabe um dia ter a possibilidade de realizar o sonho de ter uma qualidade de vida um pouco melhor, “com mais humanidade” como ele dizia.
O trajeto era longo e o gajo já nem tinha mais tanta pressa de chegar. Por vezes até curtia o trajeto, gostava de observar as pessoas ao redor e ver que não estava sozinho na cidade. Isto é, sozinho entre aspas, afinal as cidades estavam cada vez mais reclamando da solidão. Até achava engraçado, já que começara a entender um pouco da teoria do teatro, lembrava-se sempre do conceito que leu “No teatro se está sozinho em público” e gostava de relacionar a frase mencionada com sua realidade. Via as pessoas dentro do trem sozinhas em meio ao público que nem a via ali. Estavam todos sozinhos em públicos. Talvez tenha percebido a diferença para o teatro. Ali tem ao menos alguém observando o ator, que em concentração julga-se sozinho.
Chegou cedo ao local e antes de entrar no teatro decidiu parar uns dez minutos e ler um conto de Franz Kafka na praça em frente ao local. Chamava-se O veredicto a tal novela. Para ser sincero, nesse dia o jovem carecia de concentração e passou os olhos no livro sem entender nada. “Algo deve ter ficado no subconsciente, isso salvou a leitura talvez”. Foi então que foi comprar o ingresso.
– Desculpe senhor, mas estão esgotados – outro rapaz, mais ou menos da mesma idade o dizia.
– Impossível, eu liguei ontem e vocês ainda tinham dezenas – Realmente ele tinha ligado e optou por não fazer a reserva, queria ver se conseguia um pouco mais de dinheiro para pegar um lugar melhor na platéia.
– Sinto muito senhor, mas para fim de marketing cultural a empresa patrocinadora recebeu os últimos ingressos de hoje para disponibilizar para funcionários e clientes. Por isso não temos mais essas dezenas de ingressos que o senhor se refere.
– Rapaz eu venho de longe, não tem jeito mesmo?
– Infelizmente não, posso reservar para amanhã.
– Não, não. Esquece – O jovem respondeu sem remorso. Já havia acontecido algo parecido algumas vezes antes, mas o que ele não entendia era o porquê disso acontecer ali, num teatro gigante. “Depois as pessoas falam que não tem dinheiro” sussurrava. Ele havia economizado bastante para poder assistir ao grande espetáculo. Mas como mencionei era raro bater de frente com alguém e foi sentar na praça falando sozinho. Dessa vez sem o intuito de afugentar ninguém:
– Sabe Deus – ele gostava de conversar com Deus, mesmo que às vezes duvidasse de sua existência, e assim não era tido como um tanto louco. – Eu faço tanta coisa ao mesmo tempo, que às vezes perco o foco. Eu gosto do que estudo, eu estou me preparando para o bendito vestibular, começo a entender alguma coisa de teatro, nado duas vezes na semana e já ganhei até medalha, sem contar o trabalho voluntário na escola e as organizações de sala da qual faço parte. Porra, eu só queria assistir a uma peça e me divertir um pouco. Faz tempo que não vou a um musical, em uma boa peça. Porra Deus, isso me entretém!
Parecia que brigava com Deus, mas no fundo brigava consigo mesmo, por ter sido trouxa de não ter feito uma reserva. Mas já que estava ali não queria voltar para casa. Na realidade nem ia voltar depois do musical, ia com o povo da escola para uma bebedeira. Era só isso que eles sabiam fazer. Mas ia demorar muito. E o rapazinho decidiu andar na rua à noite na grande metrópole. Olhar as pessoas e os recintos. No máximo parar em um bar e pedir um refrigerante para passar um pouco do tempo.
Era inicio de outono e em países tropicais é uma maldição dar nomes às estações, pois elas nunca cumprem o combinado. Havia chovido de manhã, feito sol à tarde e agora o tempo apesar de consideravelmente agradável, ventava muito.
Lembrou-se qualquer passagem sobre a Rússia que era mencionada na novela de Kafka que leu. Lá devia ventar o mesmo o ano todo. Fazer frio o ano todo e os 10ºC feito no verão serem motivo de comemoração. Foi aí que começou a inventar mais uma vida dentro da sua cabeça. Agora ele era Russo, nascido e criado em São Petersburgo. Tinha estudado música na mesma cidade, mais especificamente Piano clássico e ao final da faculdade foi convidado para uma pós-graduação, ora vejam, no Brasil. País tropical, para ali então foi e se estabeleceu na cidade de São Paulo. Propostas de trabalho não lhe faltaram, aprendeu o português rápido com um sotaque charmoso que atraía as garotas e por ali decidiu ficar por mais tempo e agora aquele vento noturno o lembrava a terra natal.
Os olhos viajavam entre as pequenas casas da rua, a maioria em forma de sobrado, unidas, sem garagem, os carros parados à frente das casas embaixo das árvores que se confundiam com os fios de energia elétrica. “Se essas casas tivessem uma pintura mais bonita seriam talvez mais atrativas durante o dia, À noite eu prefiro assim”. Referia-se às pinturas antigas mal-cuidadas dos sobrados. Um desses sobrados tinha uma plaquinha fora onde se lia: “Bar do Macário”. Sorriu. Lembrou-se da horripilante escrita do Poeta Paulistano Álvares de Azevedo, onde Macário era um jovem de vinte anos que conseguiu conversar com o Diabo. Decidiu entrar, afinal há pouco tinha conversado com Deus, que custaria conversar uns minutinhos com o capeta também?
O lugar era iluminado às luzes incandescentes, uma delas falhava a cada cinco minutos e uma nem funcionava. Em suma, era mal iluminado. “Ao menos o dono daqui tem jogo de marketing para atrair os literários” concluiu. As cadeiras eram de madeira e tudo respeitava o século XIX. As prateleiras confundiriam qualquer bêbado fã de tequilas, vodkas, pingas, cachaças, licores e tudo o que diz respeito a álcool. Até álcool de cozinha tinha no lugar. O gajo não sabia se para a venda, o que era absurdo, mas visto a condição de muitos pobres da cidade é o que lhes restava. Encontrou um humor naquela desgraça.
O bar estava praticamente vazio. Era um bar um pouco fundo, mas estreito devido a casa onde era acomodado. Um velho barbudo e aos trapos bebia dois shots de vodka pura à sua esquerda. Na realidade não bebia, olhava estático para eles. Parecia em transe. Outro senhor, bem melhor vestido a duas mesas após o barbudo lia um jornal, que o nosso personagem viu como sendo de duas semanas atrás. No balcão três rapazes aparentando seus trinta e poucos anos bebiam cerveja de marca cara e riam falando talvez de mulheres ou futebol. Uma mesa era ocupada por duas mulheres e dois homens, que comiam algo que o jovem não pode distinguir. Ele preferiu sentar no balcão duas cadeiras antes dos três jovens.
Quem o atendeu foi uma jovem bem bonita do outro lado do balcão. Possivelmente mais velha que nosso menino, e possivelmente bem mais mulher do que qualquer mocinha de sua idade. Era loirinha a guria. Olhos escuros e não vestia avental, a roupa era comum.
– Eu quero uma cerveja – Em tal ambiente, o menino, que apesar de nem talvez fosse maior de idade, preferia mil vezes um álcool ao refrigerante. O bar era convidativo a tal, sem contar que com a grana que sobrou do espetáculo podia pagar por isso.
– Qual marca, temos todas que quiser.
– A mais forte. – E assim se sucedeu, pediu cerveja que veio em Longneck. Pros leigos, aquelas garrafas pequenas em que se pode tomar diretamente (não que em uma de um litro não se possa).
Não passou vinte minutos e ele pediu a segunda, que já tinha feito algum efeito sobre seu nível de consciência. Os três rapazes pararam e olharam o menino e aproveitaram (isto é, não posso dizer aproveitaram, mas talvez a expressão “Se enturmou” caiba melhor aqui, pois também já estavam alcançando a ebriedade). Um dos jovens quando percebeu a solidão do menininho virou para os amigos e disse algo. O mesmo virou e disse:
– Ô mocinha, é... Você – Chamando o rapaz -. “Mal” de chamar você assim, mas sair para beber sozinho é fossa. Aproxima-se aí rapaz. O que faz você beber só, hein?
Nosso menino, que tinha esquecido que seria melhor ter comprado uma vodka, já que tinha inventado a história de ser russo, se tocou que era com ele e deu uma risada sem som e se aproximou.
– Hoje não foi o melhor dia da minha vida, mas não estou tão na fossa quanto parece. Só perdi o musical aqui do lado, lotou.
– Lotou? Eu fui assistir ontem e nem curti tanto quanto pensei que ia curtir – Quem falava então era o ruivo cheio de anéis no outro canto. – Estou cheio desses musicais.
– Preconceito seu, seu dramático, eu “pago um pau” para todo mundo lá, o povo deve ter tido um trabalho imenso para cantar, dançar e atuar ao mesmo tempo – O que fez o convite replicou e uma pequena discussão começou enquanto o jovem se admirava, o povo falava de teatro como se falasse de futebol ou mulher e ainda davam risadas das conclusões que o outro dava.
– Podem dizer o que quiser, mas ator melhor do que o Zacarias aqui não tem não.
– Lá vai você de novo fazer o velho passar o mico. Mas pior que o velho é bom demais. Até eu queria ver essa. – O ruivo que disse isso já tinha cinco garrafas à sua frente e não falava embolado ainda, ao passo que o menino que tinha ido assistir ao musical e acabou num bar bebia a quarta Longneck.
– Seu Zaca, Seu Zaca, tem como o senhor fazer aquele discurso pro nosso novo amiguinho aqui. Ele ainda não viu.
– Porra Paulo, você gosta de empacar, não é verdade? – Era a loira do balcão. – Deixa o velho do Zaca em paz, depois eu sou obrigada a dar bebida para ele para acalmar o discurso. – A menina parecia repreender o ruivo, mas foi até ludibriante a mudança de aspecto da garota. – Mas o pior é que ele bom mesmo. Até eu já estou com saudades dos discursos.
– Posso falar? – O que agora era conhecido como “o novo amiguinho” tomou a palavra. – Eu preciso falar algo sério. Eu acabei dentro de um bar e não estou entendo nada. – E sorriu.
Zacarias, ou melhor, Zaca, era o velho que olhava estaticamente para dois copos de vodka. Sorriu e mostrou os dentes ainda inteiros. O que era incoerente com todo o resto do conjunto.
– Não estou a fim de discurso hoje, e vocês seus panacas não sabem diferenciar a beleza de um monólogo de um discurso. Eu lá sou político de dar discurso?
– Poxa seu Zaca, deixa de ser egoísta e divide conosco seu talento – O ruivo insistiu
– Vou ver se devo. Deixa-me tomar coragem. – E tomou a primeira dose de Vodka. A essa altura o amiguinho já estava a todo ouvido ao velho Zaca que parecia se preparar para entrar em cena. Perdeu um espetáculo para mil e quinhentos talvez, mas ganhou com exclusividade uma apresentação intimista à moda da casa.
A bebida pode ser infernal e ao mesmo tempo divina. Homens bêbados não mentem e quando o fazem o fazem mal. A bebida deixa os homens sinceros, que nem mulheres puras. Os sentimentos do nosso “amiguinho” era puros e com a bebida eram muito sinceros e com o êxtase da embriaguez era capaz de ouvir histórias e conversar ao mesmo tempo no qual também criava mil realidades em sua mente e com os olhos enxergava a realidade externa que achava melhor. Assim o fez quando o velho levantou e subiu na cadeira. Zaca suspirou como depois de um grito surdo e não era mais Zaca, era um velho qualquer que estava em cima de um palco e o palco era sua cadeira.
O velho Zaca pareceu morrer ao passo que outro homem, talvez não tão velho quanto ele parecesse nos olhos do homem que de trapos pareceu usar roupas de homem robusto e educado em colégios e universidades.
“Nunca repito um feito, não sou sobrenatural, mas considere-me como raio que nunca cai no mesmo lugar ou como um floco de neve que nunca é o mesmo onde quer que caia. Posso até ser uma folha qualquer de qualquer árvore por aí na Amazônia Brasileira ou Florestas Russas, que é única e se perder no meio de milhões, bilhões doutras. – Esse foi o início – Será que devo ser fiel de onde vim ou mentir a vocês as origens de minhas palavras? Seja como for vou conter-lhes somente minha versão da história, que é o que me vem em mente. Fazer jus ao local que me dispus a contar meu caminho seria interessante. É em Macário que se diz que é no lodo do oceano que se encontram as pérolas e é aqui num bar que eu lhes entrego o tesouro que possuo, o único tesouro que possuo: minha história. Para a dor um copo de vinho e para a comédia da vida, uma cerveja bem barata. Que eu me lembre foi Confúcio que mencionou como é importante não viver reclamando do que lhe é imposto em vida. Eu o desminto, pois vou fazer aqui uma reclamação: Não tenho mais um puto. Nem um puto para pagar uma puta tenho e devo isso a minha bestialidade infantil.
“Veja só. Percorri a Rússia toda – ‘Zaca mencionou a Rússia’ murmurou para si nosso jovem – A percorri no inverno em trens e fingi ser entre todos, o mais rico. Só para poder vingar-me do infeliz burguês que me matou em vida. Era um russo dos mais cultos de Moscou, casou-se e teve filhos e nem isso era o suficiente para querer tomar dos homens suas mulheres. Talvez eu minta aqui, ele não tomava ninguém, as vadias eram que se entregavam e abriam as pernas para o burguês. A minha amada era pura, eu era puro, e ela caiu em sua lábia e tornou-se uma vadia também. Diferente das outras que também eram atrizes perante os maridos, a bela não soube mentir e eu... Sabem que o amor tem como filho a dor? Ela sofreu um pouco na hora que a primeira facada entrou e depois foi só amor. As últimas palavras foram de arrependimento e amor, morreu perdoada e eu me matei em vida, sumi da cidade, não queria vergonha e aí me enfiei nos bares do interior, parei em Kiev, mas não demorou muito para eu perceber que seria um idiota se morresse ali, cresci e por meus meios consegui o que queria. Hoje estou como antes, mais acabado, mais sem alma, o outro: de patrão foi a empregado, não aguentou e me poupou do trabalho que mais me instigava, e se matou. Covarde. Hoje eu vim parar aqui, e dessa vez nada mais quero. Só quero um pouco poder viver meu inferno e se alguém que nem você meu jovem amiguinho – apontou o nosso jovem personagem que perdeu o musical e ganhou um monólogo Russo – quiser saber o que vivo ou vivi, pode perguntar. Não sou mas idiota de negar experiências, cabe você acreditar ou não”. O silêncio no bar foi quebrado por aplausos dos poucos presentes e quando pensaram que a conversa voltaria ao habitual o ambiente continuou com magia do “se fosse real” O jovenzinho, agora movido a base cerveja “forte”, se levantou e começou a falar:
“Não vim aqui para saber o inferno de ninguém, mas talvez para poder também viver o meu. Matei-me sim, e também me considerei idiota. Amei sim, mas chame amor ao calor de contato corporal e lábios em chamas. Era burguês, mas qual o problema? não pedi para nascer endinheirado, nem tive culpa que meu pai enriquecesse. Não tive culpa de ser bem afeiçoado e dominar a literatura, de decorar poemas e discursos inteiros que conquistavam além dos meus trabalhadores, também as suas mulheres. Casei com a mais bela das solteiras e filha de aristocrata. Em festas era tido como atração e nunca destratei um amigo, mas sou homem e se uma puta se oferece para mim talvez eu não resistisse. A carne é fraca, mesmo com minha força e sua mulher – Ele apontou com força para o velho Russo no corpo de Zaca...” foi interrompido
“Não mencione minha mulher” – Não se sabia quem falou era Zaca ou o Russo.
“Eu a conquistei e dei a ela o que você não deu – A palavra voltou ao jovem – eu a dei sentimento, que nem à minha família tive, não dava mais nem valor ao meu dinheiro e você mente seu ignorante. Ela não te contou nada, você, obstinado a seguiu e a matou logo em seguida. Covarde sumiu e eu, sozinho de novo me fiz duro e frio, Viajei também, mas os seis meses no litoral me fez levantar e depois de anos veio a crise e compraram a minha fábrica.”
“Eu comprei a sua fábrica” – Zaca e o jovem estavam em pleno jogo dramático nesse ínterim.
“Sim, e eu de patrão virei empregado e você apareceu, mas sabe o que me dá mais prazer? Saber que eu tive ganas de me jogar no Volga e sumir para onde você nunca me faria um submisso. E agora eu estou aqui para te humilhar como você nunca imaginou. E que tenhas uma boa morte nesse ou em outro bar, esse sim é seu inferno. Eu já vivo o meu também, bem mais vingado que você.” – O jovenzinho pegou o outro copo de vodka que sobrara na mesa de Zaca e num gole só o tomou. Dessa vez não houve palmas, mas todos estavam atônitos, até o homem do jornal de duas semanas atrás parou para olhar. O silêncio constrangedor foi logo censurado com uma risada profunda de Zaca que disse rindo:
– Eu quero um brinde e aplausos pro jovem ator aqui. E vocês seus três mosqueteiros falidos, façam o favor de pagar a conta do moleque. É o mínimo que podem fazer pelo show que lhes foi dado. – E voltando-se para o “amiguinho do bar” disse – E como eu posso chamar o ator a minha frente?
E com um sorriso sarcástico, profundo e olhar ébrio o menino respondeu:
– Dê o nome que quiser, sou um cara qualquer que se embebeda por aí, às vezes sem motivos, para fazer histórias efêmeras, que talvez nem vão ser lembradas depois, quem dirá então que lembrarão meu nome? Louco talvez seja o suficiente. Dê o nome que quiser. – E com mais um sorriso sarcástico saiu na rua para sentir o vento no rosto e ir encontrar os amigos para mais uma bebedeira por aí.