sexta-feira, 30 de março de 2012

O mês mais produtivo

15 peças lidas, 9 passeios ao teatro, 8 livros lidos, 4 filmes assistidos. Essa foi a produção cultural do mês de março. Mês onde as aulas do curso técnico de Arte dramática voltaram com aulas de Gestão empreendedora em arte e o inicio da escolha do texto para a montagem também. Aulas ininterruptas no CEAB com apenas uma falta minha aconteceram e o fim do martírio do curso está próximo. Dizem que quantidade não é qualidade e eu concordo plenamente com isso. Nem tudo mencionado abaixo foi curtido em 100%. Talvez o fiz para ver logo chegar ao fim meus objetivos culturais do ano que compreendem ler ao menos 12 livros e 12 peças, ir ao teatro e ao cinema 12 vezes. Participar de duas montagens teatrais e assistir 12 filmes em casa. Estou perto de chegar a conclusão sendo que uma montagem já foi feita em fevereiro e a outra do SENAC logo no inicio do próximo semestre. Restará então apenas ir mais umas nove vezes ao cinema, coisa que em um mês é facilmente resolvida quando se tem o dinheiro na mão.
Ocupei-me demais nesse mês tentando crescer na parte de cultura e ao sair com o Janjão a Natália e a Maria, a última citada me lembrou uma frase que eu costumava me repetir constantemente: “ninguém é obrigado a saber de tudo”. Eu pensava que tinha medo da solidão, e de fato como ser humano que sou, tenho. Mas esse é um medo comum a todos. Meu outro medo, que deve ser tratado de alguma maneira é centralizar minha vida. Como assim? Ser estável é algo que todos queremos: estabilidade financeira e psicológica. Mas eu tenho um pouco de receio, por exemplo, de me inserir em um grupo sem saída. Imaginemos um grupo de rockeiros, um de baladeiros, um de meninos de rua, um de religiosos, um de comissários de bordo, um de taxistas, e por aí vai. Parece que o mundo se fecha ao redor de cada tribo e as possibilidades de maior estudo e entrosamento com o todo diminui. Mas ao mesmo tempo é algo necessário.
Bom, não tenho muito mais o que dizer, abaixo há uma lista das coisas que fiz no mês de março em relação ao meu estilo de vida. Posso dizer que, por mais maçante que possa parece para alguns e até mesmo para mim um pouco, eu adorei ler Longa jornada noite adentro, é o estilo que me cai bem, tal como assistir às peças Brincando com fogo, Os sete gatinhos e Da carta ao pai. As que mais me agradaram nesse mês. Li bastante e até mesmo livros mais conceituais e de estudo, mas Cem anos de Solidão, quase incompreensível em sua complexidade me agradou muito. Sobre os filmes não tive um que me agradou cem por cento, mas cada um teve um papel importante para formar opiniões em mim. Arca Russa me introduziu a história Russa, Molière mostrou-me a dramaturgia de Poquelin, Menina de Ouro fez-me pensar sobre a polêmica e ver o que leva atores a ganhar o Oscar e o Voo 93 me deixou perplexo sobre a questão de voar. Caso assistir mais depois que escrever esse post (hoje ainda é dia 25/03) talvez não comente, mas estará abaixo um pouco da minha vida cultural para quem se interessar.
Provavelmente essa produção irá cair daqui pra frente, eu mesmo assim quero. Quero mesmo é concentrar-me um pouco no que acho que deva fazer agora em diante e aproveitar mais de mim.
Bom mês de Abril para todos nós.

Peças Lidas
1.      Longa jornada noite adentro
2.      A dança final
3.      A serpente
4.      Os sete gatinhos
5.      O beijo no asfalto
6.      Senhorita Julia (2x)
7.      A dama das camélias
8.      Quando despertarmos de entre os mortos
9.      Ubu rei
10.  Comédia do trabalho
11.  Medusa de ray-ban
12.  Vestido de Noiva
13.  Anjo Negro
14.  O Santo e a Porca
15.  O Sonho de uma noite de verão

Peças Assistidas
1.      Da carta ao pai
2.      Brincando com fogo
3.      Os sete gatinhos
4.      A visita da velha senhora
5.      O beijo no asfalto
6.      Silly cow
7.      Mistero Buffo
8.      Florilégio
9.      Medusa de ray-ban

Livros Lidos
1.      Cem anos de solidão
2.      Cultura – um conceito antropológico
3.      Introdução as ciências sociais
4.      Desvendando o segredo da linguagem corporal
5.      Como administrar o próprio dinheiro
6.      Uma temporada no inferno
7.      O veredicto/na colônia penal
8.      A metamorfose

Filmes assistidos em casa
1.      Menina de ouro
2.      Vôo 93
3.      As aventuras de Molière
4.      Arca Russa

quarta-feira, 28 de março de 2012

O Louco Da Palavra

Podia-se dizer que era um louco. Falava sozinho na rua quando andava à noite. Nem sempre eram conversas consigo mesmo, na realidade a maioria das vezes conversava consigo só para amedrontar as pessoas na rua e assim afugentar possíveis ladrões da grande metrópole. Não era um ser engraçado, mas seu sarcasmo fazia rir, era por vezes até meio inconveniente, mas o leitor aqui deve conhecer aqueles que nos fazem rir por serem tão secos, secos como frutas secas.
Era um rapaz de gênio forte, mas tão educado que muitas vezes guardava para si as opiniões que divergiam da sua, sem tentar convencer ninguém do seu ponto de vista. Nossa pequena história começa num daqueles dias onde ele saía sozinho. Amigos ele tinha. Não tinha era companhia para seus gostos. Amava a arte, sobretudo o teatro. Nunca tentou decorar uma fala, nem as mais famosas de Shakespeare, mas quando numa platéia não perdia um segundo da atuação daqueles seres que ali, em cima do palco, recitavam as frases que ele por si mesmo não foi capaz de decorar.
Lia textos e textos e aos 15 (o que já considerava tarde) começou a estudar história da arte e do teatro e mergulhou em teatro realista, naturalista, clássico, épico e por aí vai. Era um bom entendedor, por mais que nunca admitisse saber tanto. Quando o assunto batia em história do teatro, os outros calavam para escutá-lo, e aquele ar de sarcasmo sumia e só re-aparecia no assunto posterior que quase sempre, como em todas as conversas, era sobre sexo, sacanagem e bebedeiras em grupo numa rua de botecos ou na casa de alguém do grupo.
Dê o nome que quiser para o sujeito. Ele era muito mais um estilo personagem que se lembra pela aparência e pelo jeito do que pelo próprio nome. O que interessa é que nesse dia, uma sexta-feira do mês de março, logo no inicio do outono, ele saiu para mais uma peça de teatro. Era um musical que estava em cartaz já havia um mês num dos maiores teatros da cidade.
Apesar de o espetáculo começar Às 21h, o rapaz já estava preparado às 17h. Além de ir de transporte público, ele era dotado de uma pontualidade suíça, eu diria até melhor do que a mesma, pois sempre estava mais cedo do que o combinado em um local.
Vestia uma camisa branca, aquelas que não valem mais do que um lanche de esquina na hora da fome. A camisa, porém não o mostrava humilde, afinal camisas brancas quando novas não tem marca por mais caras que realmente sejam. Uma calça jeans e uma bota preta completavam a sua caracterização. Gostava de usar creme para pentear o cabelo que era curto, mas possível de se pentear. O rosto e o corpo não me são necessário caracterizar, contento-me com a imaginação de quem lê.
Trancou a porta e deu tchau para o seu vira-lata. Pegou um ônibus e depois outro. No trem sentou-se na janela, olhando os prédios lá fora. “Se ao menos pudesse morar em um” pensava. E era aí que começava a criar suas verdadeiras histórias. Um dia era um bibliotecário trabalhando em alguma fundação na zona oeste da cidade, no outro tinha virado ator de novela e teatro e já teria que comprar um carro para fugir dos autógrafos.  Pensou em prestar arqueologia no nordeste do país e estar explorando a história antiga de sua nação. Uma vez passou em frente a um laboratório e já se imaginou lá dentro dando laudos periciais técnicos. Enfim, sua mente era mais divertida do que a realidade que vivia. Odiava o transporte público, sempre tão ineficaz, mas nunca tinha parado para pensar que toda sua força e criatividade vinham daqueles momentos (horas) ociosos dentro de trens e ônibus atravessando a cidade mostro em que morava.
Sentado ali, naquele mesmo banco diversas vezes, lembrava-se das provas que teria na semana na escola e os compromissos que havia assumido jovem demais para quem sabe um dia ter a possibilidade de realizar o sonho de ter uma qualidade de vida um pouco melhor, “com mais humanidade” como ele dizia.
O trajeto era longo e o gajo já nem tinha mais tanta pressa de chegar. Por vezes até curtia o trajeto, gostava de observar as pessoas ao redor e ver que não estava sozinho na cidade. Isto é, sozinho entre aspas, afinal as cidades estavam cada vez mais reclamando da solidão. Até achava engraçado, já que começara a entender um pouco da teoria do teatro, lembrava-se sempre do conceito que leu “No teatro se está sozinho em público” e gostava de relacionar a frase mencionada com sua realidade. Via as pessoas dentro do trem sozinhas em meio ao público que nem a via ali. Estavam todos sozinhos em públicos. Talvez tenha percebido a diferença para o teatro. Ali tem ao menos alguém observando o ator, que em concentração julga-se sozinho.
Chegou cedo ao local e antes de entrar no teatro decidiu parar uns dez minutos e ler um conto de Franz Kafka na praça em frente ao local. Chamava-se O veredicto a tal novela. Para ser sincero, nesse dia o jovem carecia de concentração e passou os olhos no livro sem entender nada. “Algo deve ter ficado no subconsciente, isso salvou a leitura talvez”. Foi então que foi comprar o ingresso.
– Desculpe senhor, mas estão esgotados – outro rapaz, mais ou menos da mesma idade o dizia.
– Impossível, eu liguei ontem e vocês ainda tinham dezenas – Realmente ele tinha ligado e optou por não fazer a reserva, queria ver se conseguia um pouco mais de dinheiro para pegar um lugar melhor na platéia.
– Sinto muito senhor, mas para fim de marketing cultural a empresa patrocinadora recebeu os últimos ingressos de hoje para disponibilizar para funcionários e clientes. Por isso não temos mais essas dezenas de ingressos que o senhor se refere.
– Rapaz eu venho de longe, não tem jeito mesmo?
– Infelizmente não, posso reservar para amanhã.
– Não, não. Esquece – O jovem respondeu sem remorso. Já havia acontecido algo parecido algumas vezes antes, mas o que ele não entendia era o porquê disso acontecer ali, num teatro gigante. “Depois as pessoas falam que não tem dinheiro” sussurrava. Ele havia economizado bastante para poder assistir ao grande espetáculo. Mas como mencionei era raro bater de frente com alguém e foi sentar na praça falando sozinho. Dessa vez sem o intuito de afugentar ninguém:
– Sabe Deus – ele gostava de conversar com Deus, mesmo que às vezes duvidasse de sua existência, e assim não era tido como um tanto louco. – Eu faço tanta coisa ao mesmo tempo, que às vezes perco o foco. Eu gosto do que estudo, eu estou me preparando para o bendito vestibular, começo a entender alguma coisa de teatro, nado duas vezes na semana e já ganhei até medalha, sem contar o trabalho voluntário na escola e as organizações de sala da qual faço parte. Porra, eu só queria assistir a uma peça e me divertir um pouco. Faz tempo que não vou a um musical, em uma boa peça. Porra Deus, isso me entretém!
Parecia que brigava com Deus, mas no fundo brigava consigo mesmo, por ter sido trouxa de não ter feito uma reserva. Mas já que estava ali não queria voltar para casa. Na realidade nem ia voltar depois do musical, ia com o povo da escola para uma bebedeira. Era só isso que eles sabiam fazer. Mas ia demorar muito. E o rapazinho decidiu andar na rua à noite na grande metrópole. Olhar as pessoas e os recintos. No máximo parar em um bar e pedir um refrigerante para passar um pouco do tempo.
Era inicio de outono e em países tropicais é uma maldição dar nomes às estações, pois elas nunca cumprem o combinado. Havia chovido de manhã, feito sol à tarde e agora o tempo apesar de consideravelmente agradável, ventava muito.
Lembrou-se qualquer passagem sobre a Rússia que era mencionada na novela de Kafka que leu. Lá devia ventar o mesmo o ano todo. Fazer frio o ano todo e os 10ºC feito no verão serem motivo de comemoração. Foi aí que começou a inventar mais uma vida dentro da sua cabeça. Agora ele era Russo, nascido e criado em São Petersburgo. Tinha estudado música na mesma cidade, mais especificamente Piano clássico e ao final da faculdade foi convidado para uma pós-graduação, ora vejam, no Brasil. País tropical, para ali então foi e se estabeleceu na cidade de São Paulo. Propostas de trabalho não lhe faltaram, aprendeu o português rápido com um sotaque charmoso que atraía as garotas e por ali decidiu ficar por mais tempo e agora aquele vento noturno o lembrava a terra natal.
Os olhos viajavam entre as pequenas casas da rua, a maioria em forma de sobrado, unidas, sem garagem, os carros parados à frente das casas embaixo das árvores que se confundiam com os fios de energia elétrica. “Se essas casas tivessem uma pintura mais bonita seriam talvez mais atrativas durante o dia, À noite eu prefiro assim”. Referia-se às pinturas antigas mal-cuidadas dos sobrados. Um desses sobrados tinha uma plaquinha fora onde se lia: “Bar do Macário”. Sorriu. Lembrou-se da horripilante escrita do Poeta Paulistano Álvares de Azevedo, onde Macário era um jovem de vinte anos que conseguiu conversar com o Diabo. Decidiu entrar, afinal há pouco tinha conversado com Deus, que custaria conversar uns minutinhos com o capeta também?
O lugar era iluminado às luzes incandescentes, uma delas falhava a cada cinco minutos e uma nem funcionava. Em suma, era mal iluminado. “Ao menos o dono daqui tem jogo de marketing para atrair os literários” concluiu. As cadeiras eram de madeira e tudo respeitava o século XIX. As prateleiras confundiriam qualquer bêbado fã de tequilas, vodkas, pingas, cachaças, licores e tudo o que diz respeito a álcool. Até álcool de cozinha tinha no lugar. O gajo não sabia se para a venda, o que era absurdo, mas visto a condição de muitos pobres da cidade é o que lhes restava. Encontrou um humor naquela desgraça.
O bar estava praticamente vazio. Era um bar um pouco fundo, mas estreito devido a casa onde era acomodado. Um velho barbudo e aos trapos bebia dois shots de vodka pura à sua esquerda. Na realidade não bebia, olhava estático para eles. Parecia em transe. Outro senhor, bem melhor vestido a duas mesas após o barbudo lia um jornal, que o nosso personagem viu como sendo de duas semanas atrás. No balcão três rapazes aparentando seus trinta e poucos anos bebiam cerveja de marca cara e riam falando talvez de mulheres ou futebol. Uma mesa era ocupada por duas mulheres e dois homens, que comiam algo que o jovem não pode distinguir. Ele preferiu sentar no balcão duas cadeiras antes dos três jovens.
Quem o atendeu foi uma jovem bem bonita do outro lado do balcão. Possivelmente mais velha que nosso menino, e possivelmente bem mais mulher do que qualquer mocinha de sua idade. Era loirinha a guria. Olhos escuros e não vestia avental, a roupa era comum.
– Eu quero uma cerveja – Em tal ambiente, o menino, que apesar de nem talvez fosse maior de idade, preferia mil vezes um álcool ao refrigerante. O bar era convidativo a tal, sem contar que com a grana que sobrou do espetáculo podia pagar por isso.
– Qual marca, temos todas que quiser.
– A mais forte. – E assim se sucedeu, pediu cerveja que veio em Longneck. Pros leigos, aquelas garrafas pequenas em que se pode tomar diretamente (não que em uma de um litro não se possa).
Não passou vinte minutos e ele pediu a segunda, que já tinha feito algum efeito sobre seu nível de consciência. Os três rapazes pararam e olharam o menino e aproveitaram (isto é, não posso dizer aproveitaram, mas talvez a expressão “Se enturmou” caiba melhor aqui, pois também já estavam alcançando a ebriedade). Um dos jovens quando percebeu a solidão do menininho virou para os amigos e disse algo. O mesmo virou e disse:
– Ô mocinha, é... Você – Chamando o rapaz -. “Mal” de chamar você assim, mas sair para beber sozinho é fossa. Aproxima-se aí rapaz. O que faz você beber só, hein?
Nosso menino, que tinha esquecido que seria melhor ter comprado uma vodka, já que tinha inventado a história de ser russo, se tocou que era com ele e deu uma risada sem som e se aproximou.
– Hoje não foi o melhor dia da minha vida, mas não estou tão na fossa quanto parece. Só perdi o musical aqui do lado, lotou.
– Lotou? Eu fui assistir ontem e nem curti tanto quanto pensei que ia curtir – Quem falava então era o ruivo cheio de anéis no outro canto. – Estou cheio desses musicais.
– Preconceito seu, seu dramático, eu “pago um pau” para todo mundo lá, o povo deve ter tido um trabalho imenso para cantar, dançar e atuar ao mesmo tempo – O que fez o convite replicou e uma pequena discussão começou enquanto o jovem se admirava, o povo falava de teatro como se falasse de futebol ou mulher e ainda davam risadas das conclusões que o outro dava.
– Podem dizer o que quiser, mas ator melhor do que o Zacarias aqui não tem não.
– Lá vai você de novo fazer o velho passar o mico. Mas pior que o velho é bom demais. Até eu queria ver essa. – O ruivo que disse isso já tinha cinco garrafas à sua frente e não falava embolado ainda, ao passo que o menino que tinha ido assistir ao musical e acabou num bar bebia a quarta Longneck.
– Seu Zaca, Seu Zaca, tem como o senhor fazer aquele discurso pro nosso novo amiguinho aqui. Ele ainda não viu.
– Porra Paulo, você gosta de empacar, não é verdade? – Era a loira do balcão. – Deixa o velho do Zaca em paz, depois eu sou obrigada a dar bebida para ele para acalmar o discurso. – A menina parecia repreender o ruivo, mas foi até ludibriante a mudança de aspecto da garota. – Mas o pior é que ele bom mesmo. Até eu já estou com saudades dos discursos.
– Posso falar? – O que agora era conhecido como “o novo amiguinho” tomou a palavra. – Eu preciso falar algo sério. Eu acabei dentro de um bar e não estou entendo nada. – E sorriu.
Zacarias, ou melhor, Zaca, era o velho que olhava estaticamente para dois copos de vodka. Sorriu e mostrou os dentes ainda inteiros. O que era incoerente com todo o resto do conjunto.
– Não estou a fim de discurso hoje, e vocês seus panacas não sabem diferenciar a beleza de um monólogo de um discurso. Eu lá sou político de dar discurso?
– Poxa seu Zaca, deixa de ser egoísta e divide conosco seu talento – O ruivo insistiu
– Vou ver se devo. Deixa-me tomar coragem. – E tomou a primeira dose de Vodka. A essa altura o amiguinho já estava a todo ouvido ao velho Zaca que parecia se preparar para entrar em cena. Perdeu um espetáculo para mil e quinhentos talvez, mas ganhou com exclusividade uma apresentação intimista à moda da casa.
A bebida pode ser infernal e ao mesmo tempo divina. Homens bêbados não mentem e quando o fazem o fazem mal. A bebida deixa os homens sinceros, que nem mulheres puras. Os sentimentos do nosso “amiguinho” era puros e com a bebida eram muito sinceros e com o êxtase da embriaguez era capaz de ouvir histórias e conversar ao mesmo tempo no qual também criava mil realidades em sua mente e com os olhos enxergava a realidade externa que achava melhor. Assim o fez quando o velho levantou e subiu na cadeira. Zaca suspirou como depois de um grito surdo e não era mais Zaca, era um velho qualquer que estava em cima de um palco e o palco era sua cadeira.
O velho Zaca pareceu morrer ao passo que outro homem, talvez não tão velho quanto ele parecesse nos olhos do homem que de trapos pareceu usar roupas de homem robusto e educado em colégios e universidades.

“Nunca repito um feito, não sou sobrenatural, mas considere-me como raio que nunca cai no mesmo lugar ou como um floco de neve que nunca é o mesmo onde quer que caia. Posso até ser uma folha qualquer de qualquer árvore por aí na Amazônia Brasileira ou Florestas Russas, que é única e se perder no meio de milhões, bilhões doutras. – Esse foi o início – Será que devo ser fiel de onde vim ou mentir a vocês as origens de minhas palavras? Seja como for vou conter-lhes somente minha versão da história, que é o que me vem em mente. Fazer jus ao local que me dispus a contar meu caminho seria interessante.  É em Macário que se diz que é no lodo do oceano que se encontram as pérolas e é aqui num bar que eu lhes entrego o tesouro que possuo, o único tesouro que possuo: minha história. Para a dor um copo de vinho e para a comédia da vida, uma cerveja bem barata. Que eu me lembre foi Confúcio que mencionou como  é importante não viver reclamando do que lhe é imposto em vida. Eu o desminto, pois vou fazer aqui uma reclamação: Não tenho mais um puto. Nem um puto para pagar uma puta tenho e devo isso a minha bestialidade infantil.
“Veja só. Percorri a Rússia toda – ‘Zaca mencionou a Rússia’ murmurou para si nosso jovem – A percorri no inverno em trens e fingi ser entre todos, o mais rico. Só para poder vingar-me do infeliz burguês que me matou em vida. Era um russo dos mais cultos de Moscou, casou-se e teve filhos e nem isso era o suficiente para querer tomar dos homens suas mulheres. Talvez eu minta aqui, ele não tomava ninguém, as vadias eram que se entregavam e abriam as pernas para o burguês. A minha amada era pura, eu era puro, e ela caiu em sua lábia e tornou-se uma vadia também. Diferente das outras que também eram atrizes perante os maridos, a bela não soube mentir e eu... Sabem que o amor tem como filho a dor? Ela sofreu um pouco na hora que a primeira facada entrou e depois foi só amor. As últimas palavras foram de arrependimento e amor, morreu perdoada e eu me matei em vida, sumi da cidade, não queria vergonha e aí me enfiei nos bares do interior, parei em Kiev, mas não demorou muito para eu perceber que seria um idiota se morresse ali, cresci e por meus meios consegui o que queria.  Hoje estou como antes, mais acabado, mais sem alma, o outro: de patrão foi a empregado, não aguentou e me poupou do trabalho que mais me instigava, e se matou. Covarde. Hoje eu vim parar aqui, e dessa vez nada mais quero. Só quero um pouco poder viver meu inferno e se alguém que nem você meu jovem amiguinho – apontou o nosso jovem personagem que perdeu o musical e ganhou um monólogo Russo – quiser saber o que vivo ou vivi, pode perguntar. Não sou mas idiota de negar experiências, cabe você acreditar ou não”. O silêncio no bar foi quebrado por aplausos dos poucos presentes e quando pensaram que a conversa voltaria ao habitual o ambiente continuou com magia do “se fosse real” O jovenzinho, agora movido a base cerveja “forte”, se levantou e começou a falar:

“Não vim aqui para saber o inferno de ninguém, mas talvez para poder também viver o meu. Matei-me sim, e também me considerei idiota. Amei sim, mas chame amor ao calor de contato corporal e lábios em chamas. Era burguês, mas qual o problema? não pedi para nascer endinheirado, nem tive culpa que meu pai enriquecesse. Não tive culpa de ser bem afeiçoado e dominar a literatura, de decorar poemas e discursos inteiros que conquistavam além dos meus trabalhadores, também as suas mulheres. Casei com a mais bela das solteiras e filha de aristocrata. Em festas era tido como atração e nunca destratei um amigo, mas sou homem e se uma puta se oferece para mim talvez eu não resistisse. A carne é fraca, mesmo com minha força e sua mulher – Ele apontou com força para o velho Russo no corpo de Zaca...” foi interrompido
“Não mencione minha mulher” – Não se sabia quem falou era Zaca ou o Russo.
“Eu a conquistei e dei a ela o que você não deu – A palavra voltou ao jovem – eu a dei sentimento, que nem à minha família tive, não dava mais nem valor ao meu dinheiro e você mente seu ignorante. Ela não te contou nada, você, obstinado a seguiu e a matou logo em seguida. Covarde sumiu e eu, sozinho de novo me fiz duro e frio, Viajei também, mas os seis meses no litoral me fez levantar e depois de anos veio a crise e compraram a minha fábrica.”
“Eu comprei a sua fábrica” – Zaca e o jovem estavam em pleno jogo dramático nesse ínterim.
“Sim, e eu de patrão virei empregado e você apareceu, mas sabe o que me dá mais prazer? Saber que eu tive ganas de me jogar no Volga e sumir para onde você nunca me faria um submisso. E agora eu estou aqui para te humilhar como você nunca imaginou. E que tenhas uma boa morte nesse ou em outro bar, esse sim é seu inferno. Eu já vivo o meu também, bem mais vingado que você.” – O jovenzinho pegou o outro copo de vodka que sobrara na mesa de Zaca e num gole só o tomou. Dessa vez não houve palmas, mas todos estavam atônitos, até o homem do jornal de duas semanas atrás parou para olhar. O silêncio constrangedor foi logo censurado com uma risada profunda de Zaca que disse rindo:
– Eu quero um brinde e aplausos pro jovem ator aqui. E vocês seus três mosqueteiros falidos, façam o favor de pagar a conta do moleque. É o mínimo que podem fazer pelo show que lhes foi dado. – E voltando-se para o “amiguinho do bar” disse – E como eu posso chamar o ator a minha frente?
E com um sorriso sarcástico, profundo e olhar ébrio o menino respondeu:
– Dê o nome que quiser, sou um cara qualquer que se embebeda por aí, às vezes sem motivos, para fazer histórias efêmeras, que talvez nem vão ser lembradas depois, quem dirá então que lembrarão meu nome?  Louco talvez seja o suficiente. Dê o nome que quiser. – E com mais um sorriso sarcástico saiu na rua para sentir o vento no rosto e ir encontrar os amigos para mais uma bebedeira por aí.

sexta-feira, 2 de março de 2012

O mês termina e começa outra vez

Já é março.  Dia 02 em plena madrugada escrevo inicialmente no Word para depois passar para o blog o que produzi em fevereiro. Coloquei metas culturais que até maio ou junho já terei cumprido.  Assim sobrará mais tempo para dedicação de aquisição do bem mais precioso. Conhecimento? Não. Dessa vez será o dinheiro. Não quero amar o dinheiro primeiro, longe de mim isso, mas me será necessário para cobrir os gastos de meus cursos e preciso bem urgente de um celular que preste e um laptop, sem frescura, mas é que preciso mesmo.
Fevereiro apesar de um mês pequeno e alongado esse ano, mostrou-se de uma produção bem grande. Um ano após haver iniciado o curso profissional de teatro o primeiro módulo se encerra com uma apresentação formal ao público. Cenas de clássicos do teatro encenadas na noite do dia 14/02 no SENAC da Lapa de São Paulo. Um grupo com capacidade de média para alta se apresenta e cada um tem seus altos e baixos. Minha menção foi ótima, não que eu o tenha sido, mas meu trabalho me agradou assim como meu grupo. Fiquei feliz com o resultado, mesmo querendo trabalhar mais.
Continuei consumindo teatro e assisti à três peças no mês: Hell, com Bárbara Paz; Hécuba, com Walderez de Barros, e; Valsa nº 6, com Lígia Paula Machado. Tomei o que achei de melhor em cada peça para meu trabalho e tentei observar cada detalhe. Ao passo que assistia às peças, lia algumas como “O despertar a Primavera”, “Vestido de Noiva”, “O sonho” e “Pigmaleão”. As duas últimas tentando encontrar algo para sugerir na montagem do SENAC e sendo que a peça de Strindberg me agradou mais. Não pois era a melhor, mas a que mais se enquadra nas necessidades da turma, ou melhor se molda às estruturas físicas e psicológicas da turma na qual estudo. Mas ainda haverá muitas outras opções. Estou certo disso.
Peças à parte dois livros tomaram meu tempo de boa maneira. “Caixa-Preta” com destaque para três acidentes aéreos brasileiros que, com sua pesquisa, me ajudaram a me inserir mais no contexto da aviação, e; O alienista, enredo ao qual acho que tenho muito em comum. Trata da loucura.
No cinema assisti ao segundo filme de Sherlock Holmes, fez jus aos livros e continuo apaixonado pelos roteiros. Sou só elogios. Em casa foram cinco filmes, todos assistidos no feriado do carnaval: Burlesque, Morte e Vida de Charlie St. Cloud, Cartas para Julieta, G.I . Joe a Origem de Cobra e, Sweeney Todd. Sendo bem sincero, os filmes são bons, mas provavelmente pelo estado de espírito com o qual eu me encontrava não curti muito nenhum deles. Se bobear curti mais re-assistir às pressas a primeira temporada de Sobrenatural, totalmente em inglês dessa vez.
Minha irmã voltou de MS e logo embarcou para RO e uma semana depois voltou. Isso não exclui o fato de na ida ela ter perdido o vôo e junto comigo e minha prima ter um almoço magnífico no Outback de Moema. Isso prova que há vantagens nas desgraças também (risos). Infelizmente cada dia que passa me sinto mais distante de minha irmã. Não estou tão ou mais próximo aos meus amigos e colegas, mas fui ao bar durante o dia umas duas vezes com eles, mesmo sem eu beber cerveja. Só me dei ao luxo de beber vinho num bar perto do metrô Santa Cecília com um amigo ator em pleno carnaval. Parei de beber outro tipo de bebida, não me é mais necessário. Necessário para mim seria jantar às vezes fora de casa com a família, como foi com minha mãe um dia desses (milagres acontecem), mas isso é quase impossível. Nessa casa cada um tem um pensamento diferente e não construtivo, infelizmente.
Ganhei três semanas com as manhãs livres e aos sábados voltei a dar aulas no CNA com meus alunos queridos. Só posso agradecer por eles, do fundo do coração. Às noites na semana estou de terno e gravata meio sem paciência e sem ânimo indo ao curso de comissário. Adoro a área, mas me dá medo ter de largar tudo o que estudei em função de uma nova profissão.
Estou relativamente bem, mas ainda com muito chão pela frente e projetos para pensar e tentar por em prática. Ao menos agora terei algumas fotos profissionais como noivo já que junto com minha amiga Josiane, me voluntariei como modelo para os alunos de fotografia do SENAC. Foi bem divertido e o resultado muito bonito.
Essa é a vida tentando me dar sinais para onde ir e eu, ainda meio imaturo, tentando decifrar esses sinais. Mas ainda sou dos esperançosos que acha que no final tudo vai dar certo. Se Deus quiser, há de dar e que esse novo mês seja bem aproveitado, em todos os sentidos, menos no da carne, não quero viver em função disso até Maio ao menos. Esse sou eu, Jefferson Ribeiro Correa, mais conhecido fora de família como Jeff Venturi, sendo o mais sincero que eu posso. Bom mês de Março a todos.