O terceiro capítulo trata das primeiras aulas de Kóstia com o diretor de teatro Tortsov. Tendo previamente passado por uma análise de atuação com o mesmo diretor, os alunos se encontram para a primeira aula de fato com este.
No primeiro exercício proposto por Tortsov, Maria Maloletkova é chamada para uma improvisação no palco com o simples objetivo de manter-se sentada.
''Sobe o pano e você está no palco sentada. Está sozinha. Fica ali sentada, sentada, sentada. Finalmente, o pano baixa outra vez. A peça toda é só isso''
Maria apavora-se por ser a primeira a ser avaliada e tenta uma recusa para não ser a escolhida da vez, mas sua tentativa é falha e contrariando sua vontade ela sobe no palco para realizar a atividade. Sente-se ridícula e provoca o riso dos colegas da classe. Tortsov chama a atenção dos alunos por sua atitude e deixa claro que há momentos para rir e sobre o que rir
O diretor voltou-se e disse, tranquilo: ''Meus amigos, vocês estão numa sala de aulas. E Maria está atravessando um momento importantíssimo de sua vida de arista. Procurem aprender quando se deve rir e do que.''
Nesse momento, percebemos a importância do processo de um trabalho criador em sala de aula por alunos de teatro. Os alunos estavam rindo do ridículo de Maria, mas não do que poderia ser considerado artisticamente belo, considerando o conceito de pluralidade de opiniões de cada um ali.
Sentada e inquieta, Maria percebe que tem que fazer algo já que está na frente de um público. Ali fica certo tempo até as cortinas baixarem. Todos tentam após Maria iniciando por Kóstia.
O diretor, ao ser indagado de como o exercício deveria ser realizado ao invés de responder com palavras, respondeu em ações e ele por si só subiu no palco e fez o exercício proposto.
Pareceu não fazer nada, porém conseguiu prender a atenção de todos como se estivesse sentado em uma cadeira em sua própria casa.
“O que quer que aconteça no palco, deve ser com um propósito determinado.’’
Todos tentaram, mas estavam querendo fazer algo, não sendo eles mesmos em cena, como quando o diretor o fez, sem vontade de agradar ou entreter. Tortsov mostrou que numa simples cena daquela há a necessidade de ter um objetivo, um propósito.
Maria foi chamada para refazer o exercício ao lado do diretor. Iniciou o exercício ainda nervosa, o diretor fingiu procurar alguma coisa em seu caderno. Maria estava apenas aguardando novas ordens e agiu naturalmente. O pano baixou.
‘’Como assim? Como já havia acabado a peça?”. Ela pensou que Tortsov ainda lhe falaria o que fazer e não que isso era o exercício.
Questionados os alunos qual atuação fora a melhor a maioria preferiu a segunda atuação por ter sido mais natural.
Ela estava ali atuando. Porém oras, como estava ela ali atuando se estava parada, sem movimento? Tortsov deixou claro que mesmo estando parado fisicamente, havia uma ação interior em andamento. Um objetivo a ser alcançado, no caso ela estava esperando ordens dele. Isso era um objetivo.
‘’A imobilidade exterior de uma pessoa sentada em cena não implica passividade, pode-se estar sentado sem movimento algum e ao mesmo tempo em plena atividade. Isso não é tudo, muitas vezes a imobilidade física é o resultado da intensidade interior. E são essas atividades intimas que tem muito mais importância artisticamente. A essência da arte não está em suas formas exteriores, mas no seu conteúdo espiritual.’’
Outro dia o exercício proposto foi diferente. Procurar um broche numa circunstância que, se não encontrado o aluno teria que, supostamente, sair de seu curso de teatro. Maria é a primeira e tenta mostrar seus sentimentos através deles próprios. Preocupou-se tanto em mostrar como estava sofrendo que esqueceu-se de seu objetivo principal, que era encontrar o broche. Porém, como resultado do exercício, sentiu-se bem, pois para si, estava mostrando o que estava acontecendo. Aí vemos como Maria não tinha um motivo para encontrar o broche até que Tortsov avisa-a que caso não encontre o broche sairá das aulas de teatro. Sua expressão muda e suas atitudes também. Procurando de verdade, o broche.
Não pode haver em nenhuma circunstancia, qualquer ação cujo objetivo seja despertar um sentimento por ele mesmo, não fique feliz por ficar feliz e sim fique feliz por um motivo que te deixe feliz.
‘’Em cena, não corram por correr, não sofram por sofrer. Não atuem de modo vago, pela ação simplesmente, atuem sempre com um objetivo [...] e com sinceridade’’
Mais adiante, já em outra aula os alunos são expostos a exercícios para estimular a criação de um objetivo para a atuação e, também, a imaginação.
Quando uma ação carece de fundamento interior, um objetivo e uma razão para aquilo acontecer, ela é incapaz de nos prender a atenção.
No teatro toda ação deve ter uma justificativa interior, deve ser lógica, coerente e real. O se serve como um motivo que nos ajuda a sair do mundo dos fatos excitando a imaginação.
O se tem uma qualidade particular, uma espécie de poder o qual os nossos sentidos captam e produzem um estimulo interior, instantâneo. O se não nos força a crer nem descrer, ele gera ocasiões que nossa imaginação produz conforme o roteiro, além do mais, desperta uma atividade interior e real, assim, o faz com recursos naturais.
‘’No momento de duvida, quando os seus pensamentos, sentimentos e imaginação ficarem mudos, lembre-se do se. O se estimula o subconsciente criador, alem de ajudar a executar um principio fundamental da nossa arte: a criatividade inconsciente por meio de técnica consciente. Usa-se o se conscientemente para criar a partir do seu inconsciente’’.
Em outra circunstância, Tortsov menciona uma situação: Um camponês tira uma porca de um trilho para usá-lo como anzol, podendo assim causar um acidente. Em seguida, pede a opinião dos alunos em relação ao que faria se fossem o juiz julgando o caso.
Alguns prenderiam o camponês, assim como na opinião de Kóstia. Mas esqueceram de analisar muitos fatos, que por Tortsov são considerados importantíssimos. É iniciada então uma discussão em sala sobre o caso.
Como Kóstia se coloca a frente dessa discussão, ele e Tortsov, respectivamente tentam incriminar e inocentar, o camponês. Assim Kóstia aproxima seus sentimos dos sentidos pelo juiz. O que é bom. Dessa maneira, Tortsov introduz o conceito de “circunstancias dadas”.
‘’[...] Circunstâncias dadas significa o enredo da peça, os seus fatos, acontecimentos, época, tempo e local da ação, condições de vida, a interpretação dos atores e do diretor, a mise-en-scène, a produção, os cenários, os trajes, os acessórios, os efeitos de luz e som’’
“Ao iniciar o estudo de cada papel, devem antes reunir qualquer material que tiver qualquer relação com ele e completá-lo. Com imaginação cada vez maior até conseguir semelhança tão grande com a vida real que lhes seja fácil acreditar no que fazem.’’
Ou seja, tudo tem de ser observado pelo ator, desde o interior da personagem até as influências e as barreiras que encontrará ao atuar.
“[...] O artista deve olhar o belo (e não só olhar, mas saber ver) em todos os campos da arte da vida própria e dos outros. Ele precisa de impressões de bons espetáculo e artistas, concertos, museus, viagens, bons quadros de todas as tendências, das mais esquerdistas as mais direitistas, porque ninguém sabe o que lhe vai inquietar a alma e revelar os mistérios da criação.’’ (Minha vida na arte, Constantin Stanislavski)
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